O presente relatório técnico-jurídico tem por escopo a análise aprofundada e a construção de uma estratégia de defesa integral para o caso do Sr. [Nome do Cliente], doravante denominado "o cliente". Trata-se de cidadão primário, de bons antecedentes e com ocupação lícita, que, em data recente, foi abordado por agentes da Receita Federal do Brasil em zona primária de aeroporto nacional (Rio de Janeiro/São Paulo), quando retornava de viagem ao Paraguai.
Na ocasião da fiscalização aduaneira, foram encontrados em sua bagagem diversos aparelhos eletrônicos, notadamente celulares e tablets, os quais, segundo o Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal lavrado pela autoridade administrativa, foram avaliados no montante total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Em decorrência de tal fato, foi instaurado Inquérito Policial para apurar a suposta prática do crime de descaminho, tipificado no Artigo 334 do Código Penal.
A missão deste trabalho é dissecar as múltiplas facetas do caso, desde a análise dogmática do tipo penal até as mais refinadas teses processuais, para construir, de forma hierarquizada e coesa, um arsenal defensivo robusto. O objetivo final é alcançar o melhor resultado processual para o cliente, que pode variar desde o arquivamento liminar do inquérito, passando pela absolvição sumária, até, em cenário subsidiário, a aplicação de uma sanção penal mínima e não privativa de liberdade.
O ponto de partida inafastável de qualquer defesa técnica é a exegese precisa do tipo penal imputado. O crime de descaminho encontra-se assim positivado no ordenamento jurídico pátrio:
Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
Art. 334. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
O núcleo do tipo é o verbo "iludir", que não se confunde com o mero "não pagar". O objeto material do crime não é a mercadoria em si, mas o "direito ou imposto devido". Esta constatação é a pedra angular de toda a estratégia defensiva, pois define que o bem jurídico tutelado é, exclusivamente, a ordem tributária.
"O bem jurídico protegido no crime de descaminho é, precipuamente, a ordem tributária... A mercadoria, em si, é de importação ou exportação permitida, mas o agente, fraudulentamente, exime-se do pagamento do tributo correspondente."
Referência: BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Especial 5. 14ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 152
O Art. 334 do Código Penal é uma norma penal em branco, que exige complementação pelo Direito Tributário e Aduaneiro. Esta compreensão é fundamental, pois submete o crime de descaminho a todos os princípios e soluções aplicáveis aos crimes tributários em geral.
A defesa demonstrará que a prova de materialidade é absolutamente imprestável, pois padece de um vício de origem duplo e insanável: (i) uma ilegalidade manifesta, por violação à hierarquia das normas; e (ii) uma ilogicidade intrínseca, por incorrer em um erro categorial.
O Acordo de Valoração Aduaneira (AVA-GATT), com status de lei ordinária, estabelece o "valor de transação" como o método primordial e obrigatório de valoração. A praxe da Receita Federal de utilizar o "preço de varejo" ignora esta norma superior, configurando um ato administrativo ilegal e nulo, conforme a doutrina de Hugo de Brito Machado.
O Estado comete um erro lógico ao usar um atributo da "Mercadoria Nacionalizada" (preço de venda) para definir a obrigação da "Mercadoria Estrangeira" (imposto de importação). É uma falácia de circularidade: para calcular o imposto de entrada, assume-se que a mercadoria já entrou. Esta ilogicidade viola a teoria da tipicidade conglobante de Eugenio Raúl Zaffaroni.
Se o método é ilegal e ilógico, o laudo dele derivado é uma prova ilícita (Art. 5º, LVI, CF). Pela teoria dos frutos da árvore envenenada, a prova deve ser declarada nula e desentranhada dos autos, esvaziando a acusação.
A desconstrução da premissa do valor reverbera em cada uma das estratégias a seguir.
Baseia-se no Art. 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. O pagamento integral do débito, recalculado com base no valor de transação, antes do recebimento da denúncia, extingue a punibilidade.
Busca a absolvição por atipicidade material. O parâmetro objetivo é de R$ 20.000,00 de tributo iludido (Portaria MF nº 75/2012). A tese se torna viável após o recálculo do valor.
Alternativa baseada no Art. 28-A do CPP. A fragilidade da prova de materialidade aumenta o poder de barganha da defesa para negociar um acordo favorável.
Em caso de condenação, busca-se a pena no mínimo legal (1 ano) e a substituição por restritiva de direitos (Art. 44, CP), o que é um direito subjetivo do réu primário.
A eficácia da estratégia depende de sua execução precisa. Na fase de inquérito, a defesa deve ser proativa, peticionando e juntando provas. Na ação penal, a Resposta à Acusação é a peça central para arguir a nulidade e requerer a perícia.
A defesa deve focar na prova pericial, com a contratação de assistente técnico e formulação de quesitos estratégicos, e na prova documental para construir a narrativa de boa-fé do cliente. A matriz de risco prepara a defesa para cenários adversos, como o indeferimento de provas.
A acusação é um colosso com pés de barro. Sua fundação, a prova de materialidade, é nula. Esta tese central potencializa todos os planos de ação, conferindo à defesa a iniciativa estratégica e uma altíssima probabilidade de desfecho favorável.
(Objetivo: Alinhar estratégia e coletar provas)
(Objetivo: Arquivamento ou Extinção da Punibilidade)
(Bifurcação dos Planos de Ação)
(Objetivo: Absolvição Sumária ou Acordo)
(Objetivo: Garantir absolvição ou pena mínima)
ID | Fase | Atividade / Tarefa | Status | Critérios de Validação / Qualidade |
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1.1 | Preparação | Reunião Estratégica com Cliente | Cliente compreendeu todos os planos e riscos. Decisão sobre o Plano Ômega documentada. | |
1.2 | Preparação | Coleta de Provas de Custo | Faturas, recibos e pesquisas de preço coletados, organizados e digitalizados. | |
1.3 | Preparação | Contratação de Assistente Técnico | Contrato com perito aduaneiro assinado e profissional já possui cópia dos autos. | |
2.1 | Inquérito | Habilitação nos Autos | Procuração protocolada e acesso total ao inquérito confirmado. | |
2.2 | Inquérito | Protocolo da Petição de Impugnação | Petição robusta, com fundamentação no GATT e provas de custo, foi protocolada. | |
3.1 | Ação Penal | Elaboração da Resposta à Acusação | Peça elaborada com tese de absolvição sumária, rol de testemunhas e quesitos para a perícia. | |
4.1 | Pós-Sentença | Análise Técnica da Sentença | Sentença "decupada", identificando erros de procedimento e de direito. | |
4.2 | Pós-Sentença | Elaboração do Recurso de Apelação | SE APLICÁVEL: Recurso protocolado no prazo, com preliminares e mérito. |